Abstrações - Tempo, Amor e Morte na Programação

Abstrações - Tempo, Amor e Morte na Programação

Recentemente assisti a um filme em que um pai enfrentava uma profunda depressão após perder sua filha. A dor era tamanha que ele já não conseguia mais se dedicar a nada. Ele era um grande publicitário e costumava lidar bem com sentimentos universais que todos nós, seres humanos, enfrentamos: o tempo, o amor e a morte. Ele usava essas abstrações como fonte de foco e inspiração em seu trabalho, mas a perda de sua filha o fez desistir de tudo. Em desespero, passou a questionar e até confrontar essas abstrações por meio de cartas.

Nesse momento, você pode estar se perguntando: o que isso tem a ver com programação? E eu lhe digo — tem tudo a ver.

Nós, programadores, carregamos sempre aquele desejo de criar nossos próprios projetos. Há em muitos de nós uma veia empreendedora que pulsa forte. E, se olharmos com mais atenção, veremos que o tempo, o amor e a morte estão profundamente entrelaçados com essa jornada de construir algo do zero, de ter uma ideia e querer colocá-la no mundo. Quero falar um pouco sobre cada uma dessas forças e como elas se manifestam em nosso dia a dia.

O Amor

Nietzsche disse: “O amor pode ser expressão de poder e criação, mas também de posse.” E dentro da programação empreendedora, essa frase é uma verdade incontestável.

Às vezes nos apaixonamos tanto pelos nossos projetos que nos tornamos seus reféns. Queremos que tudo esteja perfeito. Refatoramos trechos de código dezenas de vezes. Ficamos dias decidindo o nome de uma função, ou semanas em busca da “melhor stack”. E o tempo vai passando...

Essa paixão nos dá energia no início, mas pode se transformar numa armadilha. O perfeccionismo paralisante nos impede de lançar o projeto. E o medo de mostrar algo “incompleto” nos isola. É preciso lembrar: amar um projeto também é deixá-lo viver no mundo real, mesmo que imperfeito.

Amor saudável é aquele que gera movimento, que permite erros, aprendizado e evolução. Amar demais pode sufocar — inclusive nossas ideias.

O Tempo

O tempo é nosso ativo mais escasso — e o mais desperdiçado.

Muitos programadores têm aquele famoso repositório de ideias no Notion ou no GitHub, cheio de projetos iniciados e abandonados. Dizemos para nós mesmos: “um dia eu termino”, “quando tiver mais tempo eu lanço”, “ainda não estou pronto”. Mas esse tempo mágico, esse momento perfeito… raramente chega.

A verdade é que o tempo não se “encontra”. Ele se prioriza.

Se você quer lançar um produto, escrever um artigo, iniciar um curso, precisa fazer do tempo uma aliança. Trabalhar com constância, mesmo que com pouco tempo por dia, sempre vence o “grande projeto” que nunca sai do papel. E aí entra o papel de saber focar: eliminar distrações, parar de consumir excessivamente conteúdo técnico sem aplicá-lo, e entender que a construção leva tempo — mas precisa de um início.

Projetos que não recebem tempo morrem antes de nascer

A Morte

Ninguém gosta de falar sobre ela, mas ela está presente em tudo — inclusive no código.

Projetos morrem. Ideias também. E às vezes isso é natural, até necessário.

Existe uma dor em abandonar um projeto, principalmente quando dedicamos semanas ou meses nele. Mas é preciso reconhecer que nem toda ideia vai vingar, nem todo código vai virar produto. Saber a hora de desistir de algo que não faz mais sentido é sinal de maturidade, não de fraqueza.

A “morte” pode ser o fim de um projeto, uma stack que você deixou de usar, um cliente que não quis continuar, ou até um sonho que mudou de forma. Mas todo fim abre espaço para um novo começo. Assim como na vida, na programação também precisamos fazer lutos — e seguir em frente.

Não devemos temer a morte das ideias. Devemos temer a estagnação, a insistência cega, o apego ao que já não nos move.

A Intersecção dos Três

Essas três forças — tempo, amor e morte — se cruzam o tempo todo em nossa rotina como devs e empreendedores.

Você ama o que faz, mas precisa ter tempo para fazer. Você quer que seu projeto viva, mas também precisa saber quando deixá-lo ir. Você se entrega, mas não pode se afundar. Criar exige equilíbrio.

Ao entender que tempo, amor e morte fazem parte do processo criativo, conseguimos tirar um peso das costas. Paramos de buscar o perfeito. Aprendemos a agir mesmo sem a garantia de sucesso. E, acima de tudo, nos tornamos mais humanos no meio de tantas linhas de código.

A maturidade de um programador não está apenas no código que escreve, mas nas decisões que toma ao longo da jornada. Saber quando começar, quando insistir, quando ajustar e quando abandonar. Entender que a tecnologia pode ser exata, mas a vida não é.

Trabalhar com programação é, muitas vezes, um ato de fé. Acreditamos numa ideia, investimos tempo, energia e coração — e esperamos que ela ganhe vida. Às vezes ela ganha. Às vezes, não.

Mas seguimos em frente. Sempre